Cupins, mofos e readymades integram exposição inédita em Florianópolis

Readymades, mofos e marcas de cupins estão presentes em trabalhos da artista Juliana Hoffmann que apresenta até o dia 14 de agosto a exposição inédita “Exaptações, a obra de Juliana Hoffmann”, na Fundação Cultural BADESC, em Florianópolis. Com entrada gratuita, a mostra ocupa o jardim e três salas do casarão.

Raul Antelo, curador da mostra junto de Rosângela Cherem e de Bianca Tomaselli, explica que o uso de readymade nasceu há mais de um século, quando Marcel Duchamp propôs a desconstrução da arte retiniana, ou seja, uma arte que agrada à vista.

“A base do seu trabalho foi o desejo de decompor as formas, ou mesmo de compô-las, conforme a lição cubista. Mas, Duchamp foi além e nos deixou “A noiva despida pelos seus celibatários, mesmo”. Se Duchamp desmanchava o mundo material das máquinas, enorme utopia do século XIX, Juliana desmancha a soberania do artista, através de um olhar lançado ao não-humano”, destaca.

Antelo comenta ainda que boa parte do esforço de Duchamp provinha de um poeta francês, Jules Laforgue, nascido no Uruguai. “Comice agricole, tal o poema de Laforgue, torna-se então poesia. À noite, o piano. As Exaptações de Juliana poderiam chamar-se Comícios zoológicos. Os cupins estão aí. Ganham soberania. Engrossam a voz. Ou antes, nos permitem ouvir como a nossa voz se torna a cada dia mais rouca e apagada. Reduzir, reduzir, reduzir, tal era o objetivo de Duchamp. E outro não é o de Juliana”, ressalta.

Para o curador, ao entrar na exposição, no mundo da artista, é possível rasgar esse véu: a Criação do Mundo Moderno, título de um dos livros devorados pelos cupins, chama a atenção do visitante logo na entrada do casarão. “Cai o determinismo, cai a necessidade e destaca-se o aleatório. Apesar de toda a redução apregoada, Duchamp nunca considerou seu trabalho uma pintura abstrata. Da mesma forma, o trabalho de Juliana nada tem de abstrato. Exibe, no entanto, a regra de ouro da arte contemporânea: só o aleatório é necessário”, complementa.

A obra de Juliana Hoffmann

Nascida em Concórdia, no Meio-Oeste de Santa Catarina, a artista Juliana Hoffmann, que entrou no cenário artístico em 1982 e realizou aos 16 anos a primeira exposição, é referência quando o assunto é arte contemporânea.

Segundo Antelo, uma das contribuições mais destacadas da exposição de Juliana Hoffmann na Fundação Cultural BADESC reside nas estratégias de cooperação, responsabilidade compartilhada e coparticipação, que ela divide com outros artistas.

“Penso, particularmente, num artista latino-americano residente em Berlim, Tomas Saraceno, a partir de seus trabalhos na Bienal de Veneza (2009), no MoMA (2012), no Museo de Arte Moderno de Buenos Aires (2017-8) ou no Palais de Tokyo, em Paris (2018), em que constatamos uma sorte de mescla de ecologismo artístico e político. As velhas palavras de ordem pós-vanguardista de morte de Deus, fim do humanismo, e esgotamento da obra como expressão individual ganham aqui nova dimensão, na recuperação do anônimo e coletivo: o trabalho de construção/destruição dos cupins”, compartilha.

Processo de curadoria

Os curadores fizeram a seleção das mais de 40 obras que ocupam três espaços do Casarão. São livros e madeiras ‘danificadas’ por insetos, cupins e traças, bem como impressões com imagens de paredes trabalhadas pela umidade e mofo e placas com vestígios dos recortes feitos por máquinas sobre madeiras e MDF.

“Como qualquer outro. Curar é ler. Ler a singularidade do artista. Ler seus vínculos com a história. Ler as determinações de seu meio (geográfico, social). Ler a sua biografia. E, tendo lido, armar com os restos, uma ficção. A curadoria nada mais é do que uma ficção. Seu sucesso depende da quantidade e qualidade dos elementos que entram na equação. Quanto mais, melhor; porém, sem nunca asfixiar. A curadoria não esgota a verdade. Mostra o plural de todo gesto”, completa Antelo.

A Fundação Cultural BADESC fica na Rua Visconde de Ouro Preto, 216, no Centro de Florianópolis, e a exposição “Exaptações, a obra de Juliana Hoffmann” pode ser visitada até 14 de agosto de 2024, de segunda a sexta, das 13h às 19h. A entrada é gratuita.

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