O pontificado do Papa Francisco, que faleceu nesta semana em Roma, mudou a Igreja na América Latina. A afirmação foi feita na tribuna da Assembleia Legislativa pelo deputado e sacerdote católico Padre Pedro Baldissera (PT), em discurso nesta terça-feira (22). O deputado fez um resumo da trajetória de Francisco, o primeiro latino-americano no comando da Igreja Católica, escolhido em março de 2013, “uma surpresa agradável” porque, como ele mesmo disse na época, ninguém esperava um Papa “do fim do mundo”.
Para Padre Pedro, foi também o renascimento de uma esperança, já que “a tradição eclesial libertadora que havia nascido na periferia, tão maltratada nas três décadas de involução eclesial que antecederam o pontificado de Francisco, estava chegando ao centro da Igreja”. Esperança que se estendeu mais adiante, com o Sínodo da Amazônia que “universalizou a causa ecológica como uma causa evangélica e legitimou a configuração de Igrejas indígenas, com o rosto de seus povos”.
“Em suma, o Papa do fim do mundo iria causar um grande desconforto à estabilidade, ao fazer da periferia o centro da Igreja e de uma sociedade excludente. O Papa do fim do mundo ousou descer do trono, deixou o palácio apostólico e começou a desmontar o perfil imperial do papado”, discursou Padre Pedro.
O deputado petista também lembrou que, em sua viagem à Bolívia e ao Paraguai, Francisco reconheceu a cumplicidade da Igreja nos horrores da colonização como um “pecado da Igreja”, não apenas um pecado de “filhos da Igreja”, e pediu perdão. E em um tom ainda mais forte, fez o mesmo em sua visita ao Canadá, reconhecendo a conivência da Igreja no genocídio dos aborígenes.
“Igreja descentrada”
O pontificado de Francisco, disse o deputado sacerdote em seu discurso na Alesc, marcou o fim das suspeitas e perseguições de teólogos e bispos na América Latina e Caribe, que vivenciaram um estado de martírio contínuo, alguns mesmo depois de mortos. “O grande legado do Papa Francisco para a Igreja universal foi ter descentrado a Igreja de si mesma e apontado para os grandes desafios que a humanidade enfrenta hoje. E o fez a partir dos pobres, das periferias”, disse.
Um momento singular no pontificado, citado no discurso, foi o Sínodo da Amazônia, que transcendeu a região e incorporou na obra evangelizadora de toda a Igreja temas como ecologia, inculturação, ministerialidade, protagonismo da mulher, uma Igreja companheira de caminho da humanidade, entre outras. “Nessa perspectiva, ele foi o primeiro Papa a ir além da doutrina social da Igreja ao afirmar que ‘este sistema econômico é injusto em sua raiz’, que ‘esta economia mata’, uma condenação contundente do capitalismo.”
Padre Pedro também chamou a atenção para um legado de grandes proporções e implicações no campo da ecologia. “Ao que já era um tema da Doutrina Social da Igreja, Francisco dedicou uma Encíclica inteira sobre ecologia integral, Laudato Si’, e uma Exortação sobre a crise climática, Laudate Deum.”
“Pontes, não muros”
Além disso, disse ainda, desde a primeira viagem de seu pontificado, a Lampedusa, Francisco apontou para a questão da migração, fazendo apelo para ‘a construção de pontes, não de muros’. “Entre os principais processos iniciados por Francisco na Igreja, está o fato de não ter tomado decisões sozinho e de maneira definitiva, como poderia ter feito. Contudo, coerente com uma Igreja sinodal, ele preferiu fazer processo, convidar à conversão e decidir entre todos o que diz respeito a todos.”
Agora, mesmo sem a presença de Francisco, alguns temas continuam a depender fortemente do Papa, enumerou Padre Pedro: a continuidade do processo de recepção do Vaticano II; a implementação de uma Igreja sinodal; a consolidação da reforma da Cúria Romana; a superação de uma Igreja hierárquica, clericalista e autorreferencial; a acolhida na comunidade eclesial de católicos em situação irregular; em suma, uma Igreja comprometida com as grandes causas da humanidade hoje, como são a crise ecológica, as migrações, uma economia que mata.
No discurso, o sacerdote e deputado petista disse que algumas questões ficaram em aberto para o sucessor de Francisco. A começar pela retomada da renovação do Vaticano II. “Nessa perspectiva, é urgente a mudança de perfil dos seminários, ainda de estilo conventual e tridentino, que forma sacerdotes do altar e não pastores com cheiro de e compromisso com as ovelhas”, disse.
“O pontificado do Papa Francisco teve o mérito de colocar na mesa todos os grandes problemas da Igreja atual, desde o acesso das mulheres aos ministérios à inclusão de pessoas LGBTQIA+; desde o compromisso radical com a paz, a justiça e a ecologia até o começo de uma transformação da Igreja Católica em uma unidade de diversidades. Por enquanto, bastaria revisitar o Vaticano II, mas a partir do contexto de hoje. O mundo mudou, mas as intuições básicas e os eixos fundamentais do Vaticano II continuam pertinentes e podem continuar respondendo aos desafios do nosso tempo”, disse Padre Pedro.