Saiba quem foi o “Rubens Paiva” catarinense, morto pela Ditadura

O sucesso mundial do longa brasileiro Ainda Estou Aqui, que venceu o Oscar de melhor Filme Internacional no último domingo (2), trouxe à tona a história do político carioca Rubens Paiva, assassinado pelo regime Militar que assolou o Brasil entre 1964 e 1985. O deputado, cujo corpo até hoje não foi encontrado, foi um dos 434 brasileiros desaparecidos durante a ditadura. Um deles foi o catarinense Higino João Pio, então prefeito de Balneário Camboriú, morto por militares nas dependências do 5º Distrito Naval da Marinha do Brasil, em Florianópolis, em 1969.

Catarinense de Itapema, Higino se tornou em 1965, logo no início da Ditadura Militar, o primeiro prefeito eleito em Balneário Camboriú. Quatro anos depois, já no fim do seu mandato, foi preso junto com outros funcionários da prefeitura por agentes da Polícia Federal, numa quarta-feira de cinzas, em 19 de fevereiro de 1969.

O grupo foi levado sem nenhum mandado judicial até a sede da Escola de Aprendizes da Marinha, no bairro Estreito, em Florianópolis.

Os militares, na época, alegaram que a prisão se deveu a uma operação de combate à corrupção. Higino era acusado de doar terrenos da prefeitura para construção de casas populares. Durante todo o período de sua detenção, o prefeito ficou incomunicável e não podia ser visitado por familiares ou conhecidos. Depois de alguns dias de interrogatório, os funcionários apreendidos foram liberados do cárcere, com exceção de Higino.

No dia 3 de março, a família foi comunicada da sua morte. O corpo teria sido encontrado sem vida em um dos banheiros da Escola, com as portas trancadas pelo lado de dentro e enforcado com um arame que era utilizado como varal de roupa, amarrado em uma torneira.

Segundo laudo necroscópico, assinado pelos médicos-legistas José Caldeira Ferreira Bastos e Léo Meyer Coutinho, a causa do falecimento de Higino João Pio foi suicídio. Imagens registradas na época, no entanto, mostram que o corpo mantinha os dois pés apoiados ao chão, o que refutou a hipótese de enforcamento.

Com a promulgação da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), no ano de 2011, o Coletivo Catarinense de Memória, Verdade e Justiça passou a reivindicar a investigação do caso de Higino Pio. Em novembro de 2013, a Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright promoveu uma audiência pública em Itajaí para coletar novos depoimentos sobre o episódio.

Em junho de 2014, a Comissão apresentou em sessão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) um novo laudo sobre a morte de Higino, na tentativa de estabelecer um novo diagnóstico sobre o ocorrido. O laudo concluiu que, considerando os pontos inconsistentes do caso, não houve enforcamento, mas, sim, homicídio por estrangulamento, provocado por agentes do Estado com o objetivo de espalhar terror na população e passar um recado a quem fosse contrário à Ditadura.

O filho caçula de Higino João Pio, Julio Cesar Pio, afirmou após a conclusão das investigações que sua família nunca acreditou na hipótese do suicídio. Ele declarou que a versão do forjamento sempre foi a que predominou entre os filhos e esposa.

Em 2023, um grupo de manifestantes promoveu uma caminhada pelo Centro Histórico de Florianópolis para lembrar os 54 anos da morte de Higino Pio. O grupo partiu da sede da União Catarinense de Estudantes (UCE), e seguiu até um trecho da avenida Hercílio Luz, em frente ao Clube Doze de Agosto, onde nos anos 60 ficava a sede do 5º Distrito Naval da Marinha do Brasil, onde Higino teria sido morto.

O ato, denominado de Caminhada Pela Democracia, foi promovido pelo Coletivo Memória, Verdade e Justiça, com apoio do PT Municipal da Capital, PCB, e sindicatos como Sintrasem e Sintespe. Os manifestantes carregavam faixas e cartazes, com dizeres como “Ditadura Nunca Mais” e Não á Guerra”. No trajeto até a Hercílio Luz, o grupo passou pela praça XV e também pelo hall de entrada da Câmara Municipal de Vereadores.

Em frente ao Muro de Pedra do antigo Distrito Naval – que mais tarde foi transferido para a cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, os manifestantes leram uma carta aberta, em memória do prefeito assassinado. O grupo também lembrou da luta pela revogação do artigo 142 da Constituição Federal, que dispõe sobre a participação das Forças Armadas na Política brasileira.

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